Um jornalista bem-posto,
De gravata e de gravador,
Quis colher do desgosto
O retrato de um sofredor.
Achou-me à sombra da praça,
Com a alma em desalinho,
E perguntou com desgraça:
— Que faz o senhor sozinho?
— Eu faço versos à toa,
Dou com a cara no muro,
Já fui criança boa,
Hoje sou só o futuro.
Durmo à beira do trilho,
Sonho em vagões de madeira,
Já tive pai, já fui filho,
Hoje sou lenda inteira.
Já frequentei sacristia,
Já desfilei em quartel,
Já fui fiel todo dia —
Hoje, sou réu sem papel.
Queria mesa e cadeira,
Talher, toalha, batata,
Mas me deram a beira
Da cidade que me maltrata.
Agora, com todo respeito,
Preciso seguir meu labor:
Vou mendigar meu direito
De viver sem ter rancor.
Na saída daquela missa
Tem fé, perfume e patrão —
Talvez Deus me atiça
Um resto de justo pão
Vai, trovador, vai pedir teu vintém,
Na porta da fé, que é de ouro também.
Quem dá o sermão não reparte o pão —
Mas reza bonito, com água e sabão.
Vai, trovador, vai cantar teu refrão,
Enquanto o Brasil te nega o balcão.
Quem fecha a esmola, abre a mansão —
E diz que o amor é questão de visão...
— E eu vou... sem pressa nem trilho,
Com a poesia no bolso vazio...
Talvez hoje eu ache um filho,
Talvez amanhã, um desafio.
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