Certa manhã, acordei com uma revelação cósmica: o apito da chaleira parecia a sirene do fim do mundo, ou talvez só mais uma notificação dizendo “seu boleto venceu”. Em Cruz Alta, cidade de Erico Verissimo, onde o vento parece contar histórias e o tempo tem cheiro de madeira molhada, ser poeta ainda é um cargo de utilidade duvidosa, mas de necessidade urgente.
Sim, poeta. Essa espécie em extinção que tenta salvar o mundo com palavras quando todo mundo quer mesmo é salvar arquivos.
Li na Superinteressante que já clonam o Minecraft com IA, que os sapos estão sendo dizimados por fungos apocalípticos e que até a banana foi domesticada geneticamente para não escurecer. Uma banana eterna! Só falta fazerem um chimarrão que nunca esfrie. Isso sim seria revolução.
Mas repare: no meio de tanto algoritmo, onde está a alma? Onde ficou o “tempo e o vento” se só nos resta Wi-Fi e correria?
Erico, se me escutas dos campos de cima da nuvem (a celestial, não a digital), perdoa-me a liberdade poética, mas hoje, ao invés de Ana Terra e Capitão Rodrigo, o que temos são cidades ocas, como bem define a reportagem: prédios vazios no centro e gente espremida na periferia — o mundo virou um SimCity com menos poesia e mais boletos.
Pois o poeta aqui propõe, com a seriedade de um palhaço em horário eleitoral, as seguintes ideias para subversiva felicidade:
1. Transforme seu tédio em galeria de arte, pinte paredes com frases soltas que sua avó dizia. Expanda-se como um muro grafitado de lembranças;
2. Adote um canteiro comunitário e tenha uma palanta com homenagem ancestral. Ou um cogumelo. Dê nome a eles e finja que são influenciadores ecológicos. Poste fotos com a hashtag #NaturezaMeSegue;
3. Reinvente o AirBíblia fazendo provérbios locais de pessoas da sua árvore genealógica - bora entrevistar vovós e vovôs, até aquele tio que você acha muito quieto: ofereça abrigo ao próximo e uma parábola de brinde. A gentrificação treme quando o amor é gratuito;
4. Use IA para gerar bilhetes de desculpa por não responder mensagens no WhatsApp. Mas assine à mão. A caligrafia é a última resistência humana;
5. Faça serenata para o fungo quitrídio. Afinal, todo vilão merece um pouco de empatia antes do capítulo final.
6. Troque de culto por um dia se quiser discutir religião.
E se a vida te der um algoritmo, responda com um aforismo. Se a cidade estiver oca, encha-a com poesia falada. Recite no ponto de ônibus. Faça um sarau na praça. Desafie o silêncio com haicais de elevador.
Erico, tu sabias: viver é meio ficção mesmo. Só nos resta decidir se seremos o narrador entediado, o herói desconfiado ou o louco visionário que atravessa a cidade com um livro na mão e uma flor na outra.
Cruz Alta ainda respira — entre uma nuvem digital e outra — graças aos que ainda olham para o céu e pensam: “parece verso.”
E que venha a próxima notificação: estou pronto, com rima carregada e um chimarrão no coldre.
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