No limiar do sonho
Na praça
velada em névoa
vi Sócrates — como em estátua viva — sentado
Os olhos, perdidos no centro do invisível, varavam-me com silêncio
Como se o tempo ali fosse artifício, e a verdade um sopro antigo que em mim retornava
Vestia apenas uma túnica rude, cinzenta, de linho gasto pelo pensamento
Os pés descalços firmavam-se na pedra com a serenidade de quem nada teme
As mãos repousavam abertas sobre os joelhos, acolhendo o invisível com gentileza
E sua cabeça, levemente pendida, parecia escutar um mundo que ninguém mais ouvia
Cada gesto era uma pergunta suspensa
“Vens de longe” — disse
sem mover os lábios
“O longe é em ti mesmo”
“e o Mesmo é o que nunca se aparta”
“a unidade que em tudo se repete”
“Fala — se sabes quem és. Ou cala — se ainda confundes tua imagem com teu ser.”
No espelho
da pergunta
vi-me de costas
Por que fujo de mim, discípulo das sombras?
Meu ser não é o que lembro — mas o que me pergunta desde antes da lembrança
A alma,
por natureza,
anseia por ordem:
é feita da mesma substância que as ideias —
claras, eternas, indivisíveis — como o número que em mim pulsa sem cessar
“Sócrates — e se eu morrer?”
“Já morreste —”
“quando aceitaste viver na ilusão.”
“Mas ressuscitas, toda vez que perguntas —”
“como se fosse a primeira vez.”
A verdade
não é sabida
é relembrada:
és uma música esquecida de si mesma
que retorna, nota por nota, ao silêncio que a ensinou a cantar
Falava-me, sobretudo, de um mundo de novidades e divertimentos
que eu iria encontrar nas inúmeras moradas do Criador
Decimar da Silveira Biagini
Em um sonho sesdobrado
Na Cruz Alta-RS, 18 de junho de 2025
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