Relicário Celeste – Uma Jornada Espiritual em Oito Cantos - CICLO metafísico canalizado pelas falanges de El Morya
Epígrafe:
"Desce do monte quem subiu por amor
e leva nas mãos o pão e a luz
Pois quem viu o alto, serve com fervor
o verdadeiro eleito é quem conduz"
Canto I – O Chamado e o Silêncio
Na noite espessa onde a alma se cansa
um sussurro antigo rompeu minha dor
Chamava-me além da vã esperança
um fogo sem nome, sem forma ou cor
Deixei as âncoras, os mapas gastos
e as rotas vãs da mente que se prende
No peito, ecos de mundos contrastos
e a sede de algo que me transcende
Ao monte rumei, sem guia ou espelho
só o clamor que em mim reverberava
Cada passo, um adeus, um desvelho
o ego tombava onde a alma alçava
No cimo, só o vento e o vazio
e nele, a presença que não se diz
Silêncio mais pleno que um bravio rio
a dor tornou-se altar, e eu, aprendiz
Canto II – O Umbral do Eu
No limiar do templo não de pedra
encontrei-me a sós com meu espelho
Ali, o rosto por vaidade vedra
o orgulho em trono e o medo em conselho
Me vi criança, déspota e mendigo
e em cada máscara, um clamor calado
O eu que construí não era amigo
mas carcereiro no próprio reinado
Ardi na forja da confissão nua
sem álibis, sem sombra, sem disfarce
A luz que me invadia era a da rua
dentro de mim, clamando por enlace
Rendi o cetro, a coroa, o engano
Saí do umbral não como vitorioso
mas vaso limpo do barro humano
pronto a ser cheio de um Bem precioso
Canto III – O Guardião da Porta Estelar
Um vulto de fogo, luz e sentença
surgiu à entrada do etéreo jardim
Portava silêncio em sua presença
e os olhos diziam: "Vem Mas por fim"
Três vezes sondou-me em seus arcanos
uma pergunta sem voz, mas tão clara
"Vieste buscar poder entre os humanos
ou servir na luz que se dá e ampara"
Mostrei-lhe os cacos da alma em penúria
a dor redimida, o medo rendido
E ele abriu as portas da alta penúria
onde o tempo dorme e o amor é ouvido
"Segue", disse ele, "mas não te esqueças
nem todo que sobe vê a Verdade
só quem desce ao mundo e lá sem pressas
cura com mãos a eternidade"
Canto IV – O Esplendor Oculto
Adentrei salões que não têm medida
feitos de cântico, fogo e silêncio
Ali a verdade não é sabida
mas sentida além do corpo e do senso
Vi seres que são puro pensamento
tecendo em luz o destino dos sóis
E no centro, um Coração — fundamento
de toda forma, tempo e seus heróis
Nele, a dor dos mundos se faz canto
e cada lágrima é vinho sagrado
A beleza ali não é puro encanto
é o Bem visível, o mal redimado
E me foi dito: “O que vês, esquece
Leva contigo o que arde e liberta
Não é para exibir o que acontece
mas pra acender a chama ainda incerta”
Canto V – O Verbo Vivo
No centro do templo, sem paredes
uma Presença se fez verbo e luz
Não falou por sons, mas por suas sedes
e em mim, cada célula reluz
“És parte de mim desde o alvorecer
Te busco em tudo, até no que foge
A dor que em ti clama é meu renascer
e o amor que tens, meu sangue e minha voz”
Ali entendi que o nome divino
não cabe em letra, dogma ou clausura
É pão que se parte, vinho e destino
é gesto de amor em sua doçura
“Desce agora,” disse a Voz sem medida
“leva-me aos becos, às praças, ao chão
Faze do verbo ponte e da tua vida
uma epístola escrita em compaixão”
Canto VI – A Noiva do Cordeiro
Na sala secreta onde o véu se ergue
a Noiva do Cordeiro me esperava
Vestia luz e em seu olhar, a égide
do Amor que tudo acolhe e tudo lava
Era Sophia, Isis, Shekinah
a Alma-Mãe do mundo e seu Mistério
Seu ventre é o portal que a dor refaz
e seu beijo o selo do hemisfério
Disse: “Sou o ventre da tua missão
Gerarás esperança em cada gesto
Vai, sê ponte viva da redenção
Meu selo é teu, teu corpo é meu resto”
E ao me tocar com lágrima e perfume
selou-me inteiro com seu silêncio
Toda dúvida então perdeu seu lume
e minha vontade tornou-se incenso
Canto VII – O Silêncio Supremo
Ao fim da ascensão, não há mais trilha
só vasto silêncio onde o Eu desmaia
Ali, nem luz, nem forma, nem partilha
só o Vazio que a tudo atrai e ensaia
Mas é um Vazio repleto de sentido
um Mar de Origem sem começo ou fim
Ali entendi: sou parte do Infinito
e Ele é inteiro no mais frágil de mim
Não há retorno, pois tudo é retorno
Não há partida, pois tudo é o Aqui
Toda pergunta ali perde contorno
pois o Amor é a resposta que vi
E voltei, mas sem sair do Silêncio
Tornei-me dele um sopro, um sentinela
Minha alma agora é templo suspenso
onde a luz se faz carne na janela
Canto VIII – O Retorno e o Serviço
Desci do monte com os pés em brasa
o olhar tocando o chão como se o visse
pela primeira vez — sem véu, sem asa
mas com o coração que agora assiste
A terra me sorriu em seu ofício
a folha, o pó, o verme e a semente
eram também centelhas do início
reflexos da Presença onipotente
Não trouxe tábuas, nem teorias frias
mas gestos simples, pão, palavra e pranto
Na rua, abracei almas vazias
na cela, fui escuta e acalanto
Pois o saber que das alturas desce
sem se fazer humilde no caminho
é só vaidade que logo empobrece
por não tocar o outro com carinho
“Servir é ser canal, não pedestal”
disse a Voz quando a lembrança se acende
“E o céu que viste, feito espiral
é só começo do que agora se entende”
Voltei, sim, mas não sou mais o mesmo
o mundo é templo, e a dor é o altar
E cada gesto é um verbo no batismo
de quem escolhe amar — e iluminar
Decimar da Silveira Biagini
Com a proteção de seu patrono Sepé Tiaraju e aval de El Morya