Nasci cá em Cruz Alta, guri
Puxado a fórceps, sem pressa
Me custava sair dali
Da tal zona de promessa
Primeiro herdeiro, eu vi
A coxilha em festa e pressa
Teimoso tal zebu, sair no mais
Quilos me deram potreiro
Mas ao invés de chorar, pais
Estiquei braços ligeiro
Rimava sem tanto cais
De poeta já o celeiro
A visão curtinha, assim
Só via o rosto materno
O canto do berço e, enfim
Um mundo pequeno e terno
Mas a audição veio em mim
Com discos de som eterno
O Pooh tocava no ar
Disney cantava ao redor
A voz dos pais, doce mar
Fez o peito ficar maior
O tato a me despertar
Nas mãos do vô, seu calor
Geladas, cheirando a fumo
Suas mãos riam comigo
No colo, o mundo sem rumo
Primeiro neto, abrigo
Sorriso quebrava o sumo
De um Sul rude, antigo amigo
Com dois anos, vaca e leite
Corria a caneca, eu sei
Meu vô ria, sem enfeite
“Olha a fumaça”, falei
No inverno o guri enfeite
No campo onde me criei
Sou do inverno, sou daqui
Frio a gente já conhece
Todo ano é bem assim
O Sul te testa, entristece
Mas o teimoso de mim
Fica e encara o que desce
Daqui a um mês, faço idade
Quarenta e três vou somar
E amanhã, com propriedade
Três negativos vão dar
Tens noção da crueldade?
Mas o Sul sabe enfrentar
Na Coxilha, um verso ousado
Foi desclassificado então
Por já ser musicado
Coisa do poeta e do chão
Mas poema guardado
É mesquinho de patrão
Todo dia tem leite quente
Fonte aberta, sem censura
Se a rima brota da mente
E a música é criatura
Que culpa tem o vivente
Se transborda a formosura
Boa semana gelada
Pra província de São Pedro
Que a trova, mesmo cansada
Sempre brota do enredo
Na geada mais cerrada
Ainda aquece o segredo
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