quinta-feira, 19 de junho de 2025

Nuvem Carregada (300 mm)

Hoje acordei mais cedo
sem sonho, sem segredo
São Pedro, num trovão grosso
roncou a cuia no enredo
Foi o mate do além-nuvem
me jogando do arvoredo

A cidade afoga o centro
trezentos milímetros dentro
do céu desce uma fábula
com lama, lixo e lamento
dois rios voltando em prosa
pra cobrar o mar do esquecimento

Na praça, o Érico resiste
mas não escreve, só assiste
bigode de água pingando
olhar que nada reviste
é estátua que atrai raio
e relâmpago que insiste

Do meu quarto andar denso
sou cronista de incenso
com café e sofá azulado
e o trovão como começo
escrevo sem ser molhado
com humor e gratidão penso

Tem novela sem roteiro
tem herói que não é inteiro
a sexagenária anda adoecida
com o mesmo vilanismo ligeiro
mas a vida, que é mais sábia,
escreve luz no travesseiro

Hoje é Dia do Cinema
mas só passa o mesmo tema
enchente, guerra, descaso
a película é o problema
o mundo grita ação em vão
se a alma dorme no sistema

Do Irã, um céu ferido
em Israel, o som partido
míssil não escreve paz
hospital não tem partido
guerra entre religiões não traz
o que o homem tem esquecido

Querem ressuscitar um templo
que Santana sirva de exemplo
sem raiz, tijolo afunda
sem alma, estádio é vento
o Olímpico chora entre entulhos
como adeus sem argumento

Longe da praça, o busto cala
chove em mim, mas não embala
sou cronista de trovão
com a cuia e a fé que não estala
no barro nasce o futuro
e no raio a luz se instala

Que a chuva nos lave o sono
que o trovão nos sirva de guia
que desperte a consciência
para a verdade que alumia
pois o mundo só muda mesmo
quando a alma se arrepia

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